Começou esta semana o julgamento da pequena Jéssica, a menina que morreu, aos três anos, na sequência dos muitos maus tratos que lhe foram infligidos, em junho do ano passado. A julgamento, chegaram cinco arguidos, quatro acusados pelo homicídio da criança de Setúbal: a mãe, a suposta ama, o marido e filha desta.
O jornalista Luís Osório escreveu um dos seus ‘postais do dia’ mais dolorosos, a respeito deste tema tão perturbador. Porém, mais do que escrever sobre a pequena e inocente Jéssica, o conhecido jornalista português aborda a maldade de quem lhe infligiu esta morte doentia, num olhar sobre o “mal”.
Fique com as palavras de Luís Osório:
“A pequena Jéssica viu um “Mal” impossível de compreender
1.
Começou o julgamento do terrível assassinato da pequena Jéssica.
Uma menina com três anos massacrada por gente que talvez não seja gente – ou então não, as pessoas que o fizeram, os arguidos deste chocante julgamento em Setúbal, são mesmo pessoas.
2.
Acredito que sim, são mesmo pessoas.
Mas que pessoas são estas?
Como explicar o que fizeram?
Como entender os espancamentos, os relatos do que vamos ouvindo, como não ficar sem saber o que dizer do comportamento daquela mãe.
O que é o mal?
Como se explica?
A seita de Charles Manson era fanática. Acreditava em coisas malucas, conseguimos entender vagamente o desconchavo e a loucura daquelas cabeças doentes.
Os nazis dizimaram milhões de judeus e ainda mais milhões de páginas foram escritas sobre a dimensão do mal, sobre a banalização do horror e da barbárie, sobre um holocausto que o ser humano jamais poderia repetir – é inimaginável o que aconteceu, impossível de entender na prática, mas conseguimos escrever um parágrafo acerca da loucura nazi, uma parte importante da população alemã, naquele contexto histórico, acreditou piamente na propaganda de Goebbels: os judeus eram, eles sim, a emanação do mal. Tinham de desaparecer da face da terra.
Estaline fez o mesmo com os que considerou inimigos da revolução.
3.
O ser humano é capaz de tudo.
E o poder em todas as suas formas – onde se inclui a xenofobia, o racismo, o predomínio racial, o controle através do medo –, o poder em todas as suas formas (dizia) faz-nos ser cúmplices do inominável.
Mas ainda assim, o que se passou em Setúbal com a pequena Jéssica é ainda mais esmagadoramente incompreensível.
Como explicar o que aconteceu?
Uma criança torturada para pagar uma dívida?
Uma autópsia que revelou o que nos é impossível de aceitar?
O seu corpo de três anos usado como correio de droga?
Vestígios do seu ADN num isqueiro?
Violações repetidas?
125 lesões no corpo de uma menina com três anos?
4.
O que é o mal?
Quem são estas pessoas?
Como as julgar se não as compreendemos?
Porque o que fizeram não tem a ver com a miséria em que vivem. As pessoas não são más, não se tornam monstros por serem pobres.
Porque o que fizeram não tem a ver com a ganância – se todas as pessoas gananciosas fizessem aquilo estaríamos numa outra dimensão.
O que se trata é de uma ideia de Mal.
De gente que perdeu todas as referências humanas ou que nasceu sem elas, será isso?
Como é que as pessoas que fizeram aquilo conseguem adormecer todas as noites?
Sabemos que conseguem, sabemos também desde ontem que os arguidos no julgamento não se manifestaram com os relatos e as fotografias da barbárie no corpo de Jéssica.
Quem lá esteve jura que nenhum músculo se mexeu naquelas caras.
Nenhuma expressão foi reconhecida, só a juíza mostrou incredulidade e horror no olhar.
5.
Quem são?
De onde vêm?
Para onde vão?
Será que o seu corpo, que o seu cérebro, pode ser analisado pela ciência?
Não estou a falar a sério, é um modo de estarmos aqui a trocar ideias sobre um assunto.
Eu e tu que me ouves ou lês.
O que é o Mal?
Não o “mal” que entendemos com justificações filosóficas ou políticas, mas este “mal”…
O que é?
No olhar da Jéssica, na sua beleza de bebé, uma beleza inocente que nos magoa ainda mais depois de lhe conhecermos o destino, está a inquietação e o espanto do não entendimento.
Porquê?
Porquê, meu Deus?”.
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