A participação portuguesa nestes Jogos Olímpicos pode não estar a ser forte em medalhas, mas os nossos atletas têm proporcionado grandes momentos, a orgulharem muito quem os assiste.
Patrícia Sampaio conseguiu esta quinta-feira a primeira medalha, o bronze a chegar pelo judo, num dia absolutamente surreal da portuguesa, com combates incríveis e vários ippones a atletas melhor classificadas do que ela.
No entanto, antes ainda dessa medalha fenomenal de Patrícia já Ana Cabecinha tinha emocionado o país. Três meses depois de ser mãe, foi aos Jogos Olímpicos competir numa das provas mais duras, nos seus quintos Jogos Olímpicos. Não conseguiu um lugar no top 20, como já conseguira em três edições, mas conseguiu fazer aquilo a que se propôs: terminar a prova, no final de uma carreira enorme, num dia marcante, tão bem contado por Luís Osório no seu ‘Postal do Dia’:
POSTAL DO DIA
Um último lugar que me fez chorar e agora agradecer-lhe
1.
O que gritei sozinho na sala com o bronze da maravilhosa Patrícia Sampaio.
Que maravilha, que força e talento.
Que poder tem o judo português.
É quase um pecado não lhe dedicar hoje o Postal do Dia, mas a Patrícia perdoar-me-á – até por que lhe escreverei amanhã ou depois ou logo a seguir.
2.
Gritei pela Patrícia, mas chorei com a Ana Cabecinha.
Alentejana do lugar de Santiago Maior, a uns poucos quilómetros de Beja.
Mulher de antes quebrar do que torcer, atleta que dedicou toda a sua vida à marcha. Quase trinta anos a fazê-lo ao calor e ao frio, a marchar à chuva e ao Sol, a ouvir bocas dos que não compreendiam o que ela fazia, depois quando começaram a entender foi elevada a figura maior da terra.
A Ana dedicou toda a sua vida ao atletismo.
Adiou outras felicidades, adiou os filhos com que sonhava, não fez planos para lá dos ciclos olímpicos.
3.
Ainda me lembro que era uma grande esperança da marcha mundial.
Não se cumpriu o palpite mais otimista, mas foi uma muito boa atleta, uma das melhores portuguesas de sempre, uma das que na Europa teve resultados mais interessantes nas últimas duas décadas.
Foi a cinco Jogos Olímpicos.
Ganhou dois diplomas, em Tóquio ficou em oitavo lugar, no Rio de Janeiro em sexto e ainda teve um nono lugar.
4.
Esteve hoje na prova dos 20 Km marcha e tudo fez para não faltar.
Tinha sido mãe.
Tinha 40 anos.
Deixara de treinar.
Os treinadores e amigos não lhe esconderam a verdade que ela, mais do que todos, sabia.
Podia até conseguir apurar-se, mas nunca ficaria entre as primeiras – não seria melhor terminar a carreira e deixar as coisas como estavam?
5.
Ana Cabecinha não quis que fosse assim, era só o que faltava,
Fez-se à estrada e sacrificou tudo para se poder despedir em Paris com o gosto supremo de permitir ao seu filho bebé vê-la marchar nuns Jogos Olímpicos.
Conquistou o direito a estar presente.
E ficou em último lugar.
Um último lugar que me fez chorar.
Porque ao vê-la de lágrimas a caírem-lhe pela cara, ao vê-la feliz e a acenar à multidão nos últimos 200 metros de prova, ao vê-la com a bandeira portuguesa – ou assim me pareceu -, ao vê-la com o seu pequeno Lourenço, o amor da sua vida, a quem deu um beijo quando o viu à entrada da última volta…
… meu Deus, o desporto pode ser tão bonito.
Tão humano no que temos de mais grandioso.
A Patrícia ganhou o bronze – e ganhará um dia o ouro -, mas a Ana Cabecinha fez do seu último lugar uma prova da grandiosidade do ser humano.
E dela própria.
Um orgulho”.
https://www.facebook.com/photo/?fbid=8404133476283598&set=a.158063474224014
Discussion about this post