Marco Paulo nunca escondeu que teve uma relação distante com o pai, uma figura austera e distante, que não queria que o filho fosse cantor e nunca lhe deu um beijo. “Ele achava que um pai não tinha de beijar os filhos homens e por isso nunca senti o toque dos seus lábios no meu rosto. Claro que me entristeceu esse distanciamento, mas sei que não era por mal. Ele dizia para dar à minha mãe porque os homens não se beijam uns aos outros”, revelou o cantor.
A respeito desta relação fria retratada por Marco Paulo, o jornalista Luís Osório escreveu o seu ‘Postal do Dia’, para João Marques Silva, mas também para todos aqueles pais que desperdiçam a oportunidade de darem amor aos seus filhos.
“Espero que o pai de Marco Paulo já tenha perdido a vergonha
1.
Caro João Marques Silva, escrevo-lhe sem saber se o postal lhe chegará.
Não o faço por si, não faria sentido.
Faço-o por outros pais que possam ser parecidos com o senhor, pais que educam os filhos sem um abraço, sem um beijo, sem um sinal de afeto, que os tratam mal apenas por serem diferentes, por serem efeminados ou desejarem cantar ou dançar ou o que for.
Escrevo-lhe sabendo que morreu em 2011.
2.
Se existe vida aí nesse lugar de paraíso por encontrar, o João já deve ter percebido que o seu filho morreu.
O senhor nunca o tratou bem, nunca quis saber se as coisas lhe corriam de ficção ou se precisava de ajuda no tempo das vacas magras.
O senhor abominava tudo o que o seu filho fazia.
Abominava o nome artístico que ele criou; sei que o gozou quando o viu de caracóis ou quando a sua mulher o informou que o país o conhecia como Marco Paulo.
Abominava a mera ideia de algum dia o poder ver ao vivo.
E no último dia em que ele lhe pediu para o ver cantar, depois de já ter vários discos de ouro e platina, o senhor João gritou com o seu filho, humilhou-o dizendo-lhe que não conseguia pôr em palavras o quanto o desprezava, o quanto dele tinha vergonha.
3.
O seu filho contou-o numa entrevista, mas só depois do João ter morrido.
E a mim disse-mo com pormenores na última vez em que estivemos juntos.
O Marco que, ainda por cima, nascera para ser o seu preferido. Batizou-o de João, o menino que iria seguir as pisadas do pai, que iria ser um empregado de escritório zeloso e cumpridor.
Deve ter-lhe sido insuportável a ideia de o ver sair de casa para cantar. De não ouvir os seus conselhos, de não ligar às suas imposições, de se escudar os abraços e na proteção de Maria Isabel, a mãe que entendeu tudo no primeiro momento em que havia alguma coisa para entender.
4.
Caro João
Já tudo passou e talvez tenham dado agora o primeiro abraço.
Talvez já tenha percebido o quanto foi ridícula a sua teimosia, a sua agressividade, o seu horror à desgraça da noite, das más companhias, das canções que só atraíam inúteis, da sua suspeita que talvez o João fosse homossexual.
Talvez aí de cima tenha assistido à despedida que o seu filho teve aqui em baixo.
Ao seu funeral com milhares de pessoas.
Ao genuíno afeto que Portugal lhe devia – mesmo os que não gostavam das suas canções.
O Marco Paulo, o seu João, não foi empregado de escritório, não foi um guarda-livros zeloso e burocrata, mas fez muita gente humilde sonhar com uma vida melhor.
E cantava muito bem, talvez até saísse a si João…
… quem sabe?
É tudo um enorme “talvez”, mas há uma coisa que eu sei, João…
… que desperdício foi não ter abraçado o seu filho, não lhe dito que estaria para ele fosse ele o que fosse, de não o ter visto cantar uma única vez.
Que desperdício de vida e que pena para si”.
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