João Pereira terminou a carreira de futebolista em 2021, em nova passagem pelo Sporting, ele que até começou no Benfica. Foi 40 vezes o lateral direito da seleção nacional e um jogador facilmente identificado pela sua entrega ao jogo.
Após ‘pendurar’ as chuteiras, tornou-se treinador e aos 40 anos chega ao escalão máximo do futebol português, para treinador o campeão sporting. O legado é pesado, ele que segue as pisadas de Ruben Amorim. Todos concordam que este Sporting está muito bem oleado, mas no há dúvida que a missão de João Pereira parece complicada.
Porém, há quem não duvide que a maior vitória de João Pereira já se deu há muitos anos, quando fintou um destino que lhe parecia entregue, mas que foi sempre desafiando. O jornalista Luís Osório conhece a história de menino de João Pereira e partilhou-a no seu habitual ‘Postal do Dia’, uma carta aberta que, como João Pereira, é exemplo para muitos.
“O meu vizinho João Pereira lutou toda a vida para não ser olhado de lado
1.
Cresci a dois passos do lugar onde nasceu João Pereira.
Eu na Rua Correia Teles e ele num pátio um pouco mais abaixo, na Rua Maria Pia, a poucos metros da Meia Laranja, o lugar de fronteira onde passavam os desvalidos, os que se perdiam, os que desciam para o Casal Ventoso “agarrados” à vida apenas pela obsessão da próxima dose de heroína.
2.
Talvez não consigas imaginar o que era viver ali.
Com as “ramonas” sempre a rondar e os miúdos que faziam vigia a gritarem “uga” quando a polícia entrava no bairro.
Com tantos colegas e amigos com quem jogávamos à bola a deixarem de aparecer.
Com tantas solicitações para experimentar uma passa, para ganhar um dinheiro fácil se vendêssemos isto ou aquilo.
Com tantas histórias de heróis falsos que nos impingiam – no meu tempo era o Dragão, traficante que era mais forte do que qualquer outro, o tal que se inventou que abrira túneis dentro do Casal Ventoso para se esconder.
3.
O João Pereira é o novo treinador do Sporting.
Sucede a Rúben Amorim e talvez não consigas imaginar o mérito que tem por ter construído uma vida fora de tudo aquilo.
Por ter conseguido ser o orgulho do Adelino e da Maria Manuela, um pai e uma mãe que nunca arriscaram ter mais filhos, que apenas o tiveram a ele, um menino a quem chamaram João, reguila e mexido miúdo de bairro que começou a jogar, como eu, no DDS onde ricos e pobres se encontravam nos pelados das Oficinas de São José, em Campo de Ourique.
4.
O Adelino que distribuía jornais pela madrugada e era fanático do Sporting.
Que vivia na ideia de oferecer uma vida ao seu filho, de o encaminhar, de aligeirar o caminho.
Talvez por isso o tenha posto na Casa Pia para aprender um ofício e se libertar das escolas frequentadas pelos miúdos da droga.
Só havia uma pequena tristeza para o Adelino…
… é que o miúdo era do Benfica, absolutamente incompreensível ter um filho único que jogava à bola e não era, como ele, do Sporting.
5.
O João começou a jogar no Benfica e assim que ganhou os primeiros ordenados mudou-se com os pais para Queijas.
E a partir daí conhecemos a história.
Agressivo dentro de campo, com personalidade fora dele, mas com uma tranquilidade que surpreende sempre quem não o frequenta.
Que tenha boa-sorte, mas aconteça o que acontecer o seu exemplo é extraordinário.
Por ter provado que não há bilhetes que condenam à partida.
O João fê-lo e está feliz como nunca imaginara antes.
Com a mulher que escolheu, uma ismaelita com quem teve dois filhos, os pequenos Gabriel e Daniel.
Até nisso, o João provou ser especial.
A mulher que escolheu e por quem foi escolhido é a prova de que o novo treinador do Sporting vive sempre na ideia de acrescentar mais mundos ao mundo que herdou.
E isso é maravilhoso e diz dele.
Parabéns à família e especialmente ao senhor Adelino que é bem capaz de ter tido pena de já não distribuir jornais pela madrugada – afinal, o seu João tem estado por estes dias na capa de todos e logo com a notícia de que assumiu o lugar de treinador do seu Sporting”.
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