Pedro Chagas Freitas é um dos mais renomados escritores portugueses da atualidade, que tem também uma enorme presença nas redes sociais, onde acaba por dissertar muito sobre temas mais atuais.
Desta vez, após a expulsão de Marisa Susana, da Casa dos segredos, acabou por falar um pouco sobre este fenómeno dos reality shows, particularmente em Portugal. Assume que gosta do conceito, mas rejeita a forma como está idealizado em Portugal, nomeadamente a questão do voto paga, acabando por beneficiar quem tem mais dinheiro para votar e nem sempre quem realmente merece.
“Acho que vou deixar de ver Reality Shows. Pelo menos os portugueses. Não reconheço ali qualquer ligação à realidade. É tudo cada vez mais encenado, mais artificial, mais construído à volta de uma narrativa que dê jeito. Não há pessoas; há arquétipos. O casal que serve para alimentar o romantismo barato, os conflitos que garantem cliques, a vítima útil que mobiliza audiências piedosas. É um teatro pobre, sustentado pela crença de que o público tem memória curta e uma tolerância infinita para a repetição.
Há uma outra perversão que não suporto: a do voto pago. Não é o país que decide, não é a sensibilidade colectiva ou o julgamento público; é a carteira dos grupos organizados, uma milícia digital que compra permanências. Quem paga mais vence. A suposta democracia do entretenimento transforma-se num simulacro sem interesse nenhum. O resultado não é expressão de preferência, o jogo deixa de ser jogo; torna-se numa operação comercial com uma camada decorativa de emoção. O ódio é permitido, até alimentado; o preconceito que aparece por lá não é aproveitado para ensinar. Normalizam-se maus-tratos, humilhações; transformam-se comportamentos inaceitáveis em conteúdo. Nada é usado para aprofundar, para entender, para dar complexidade ao enredo. Tudo é usado para vender. O importante é que haja votos.
No Brasil, por exemplo, vota-se sem pagar. Metade dos votos exige CPF (uma pessoa, um voto) e a outra metade permite o delírio dos fandoms. É uma solução imperfeita, mas contém um vestígio de justiça. Em Portugal, começo a acreditar que não vale a pena. A realidade deixou de ser real, a competição deixou de ser competição. Eu via para compreender melhor a minha própria espécie, para me divertir com o jogo, com a complexidade tão grande de sermos humanos; percebo agora que talvez estivesse a assistir a uma telenovela com um guião que tem pouco de verdade. Se é para ver ficção, prefiro ver da boa”.
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